quinta-feira, 25 de julho de 2013 | By: Cinthya Bretas

Filhos são o fim do casamento ?

Muitos casais vêm até mim apresentando uma dificuldade que denomino sob o empréstimo de um termo jurídico: "erro essencial de pessoa" que talvez fosse mais bem traduzido psicanaliticamente como "erro de sujeito". Nomenclaturas à parte, o que acontece é uma abordagem falaciosa no reconhecimento do outro como parceiro ideal.
Na maioria dos casos, como já destaquei em outros artigos, na verdade, não existe nenhum erro. Trata-se de uma injunção do inconsciente - ou destino, preferindo uma licença poética - que nos leva a buscar ali, onde não podemos ver na racionalidade, aquilo que os olhos da alma pressentem claramente; uma oportunidade de nos confrontarmos através do outro, com nossos demônios mais agrestes e impositivos, espelhos que são das nossas mais primárias experiências no aprendizado do amor com nossa família de origem.
Agrestes, porque difíceis de domar, e impositivos porque atuam através do inconsciente, se revelando de maneira velada, compulsiva e irracional. Espreitam continuamente nossas interlocuções na lida diária com o outro e, se permitirmos, põe tudo a perder.
 Mas existe uma imposição mais difícil que é aquela que emerge quando tudo parece razoavelmente sob controle, o apaixonamento punge e o casal resolve procriar.
Momento delicado, impulso visto como de origem instintiva, rotulado por vezes como uma necessidade e por vezes como uma obrigação a qual, a maioria dos casais aquiesce sem a devida prévia reflexão e sem o mínimo preparo emocional e capacidade de resposta frente às exigências significativas que acompanham a solicitação cotidiana na criação dos filhos. 
Seu nascimento, portanto, proporciona um divisor de águas nas vidas dos casais. Recém-casados ou não, adultos vividos ou não, será sempre um escolha que chegará repleta de reinvindicações que irão  minar múltiplos aspectos da vida do casal. Alguns muitas vezes associados a momentos de uma suposta plenitude decorrente, na verdade, da condição de não comprometimento característica da solteirice e da juventude.
E, obviamente, a mais importante exigência será a da responsabilidade, da habilidade de responder com maturidade frente a estas reinvindicações. Trata-se da habilidade em deslocar suavemente nosso eixo egocêntrico na intenção de um ser que necessita de cuidados. Ou seja, aprender a cuidar. O que para alguns pode ser algo inédito, ou pior, ameaçador e gerador de ressentimentos.
Para o homem é a exigência de se tornar o protetor de dois seres, um frágil pela condição de imaturidade biológica e outro pela condição de fragilidade diante das mesmas exigências que lhes são impostas.
A mulher, que se depara também com um importante desafio, aqui é sobrecarregada de deveres na maternidade. E precisa responder as solicitações de ambos, marido e filho. Com maiores variações de meio cultural a meio cultural, ela acaba sendo mais exigida e menos compreendida.
Será nesta encruzilhada da vida do casal que se revelarão as dificuldades intrínsecas aos acordos afetivos aprendidos nos lares de origem. O que aprendemos de melhor e de pior será destacado a neon quando nossa criança interna se depara com esta outra criança que produzimos e que chega exigindo capacidade de respostas.
Trata-se de um momento de luto para ambos, pois abrimos mão para sempre da nossa condição de filhos, inaugurando o novo patamar de pais.
E se estes princípios internos não estiverem bem resolvidos, obviamente se estabelecerá um problema. Nos depararemos com um conflito que  já se encontrava lá, mas que, será iluminado pelo nascimento deste filho. Somente quando existe um casal de verdade a chegada dos filhos não se torna uma ameaça individual ou à relação. Em primeiro lugar, ocorre uma triangulação  relacional onde antes havia apenas dois.
Motivo de vários estudos psicanalíticos, originando um termo hoje popularizado e usado muitas vezes sem compreensão real da matéria, Édipo, e seu complexo, em sua boa ou má resolução na vida emocional de cada um, terá voz ativa apontando como se arranjou na vida emocional de cada membro do casal e, criando emergências que interferem no futuro da relação. Por conta deste fenômeno, sempre uma ponta deste triangulo amoroso, se  não bem articulado, sofrerá .
Lacan considera esta possível má triangulação ao advertir da maneira mais sintética possível: “O maior serviço que um pai pode fazer para seus filhos é  cuidar de sua esposa”.
Em resumo; a maneira como vivenciamos nossas relações com nossos pais conjugará a maneira com que nos vinculamos aos nossos parceiros e estabelecerá os parâmetros através dos quais vivenciaremos a entrada deste terceiro. Bons pais geram bons filhos que serão um dia, bons pais. Portanto, vale lembrar que é o casal que faz o bebê em sentido real e metafórico.
E na intimidade do casal, se o diálogo maduro não era possível antes, como poderá ser após sua chegada? Se a capacidade de partilhar e investir na relação não existia, de que cartola poderá ser tirada a esta altura? Se as carências e exigências emocionais extrapolavam o que seria pertinente a um adulto, como se arquiteta uma autossuficiência emocional de repente? E mais, se a vida sexual não era satisfatória, e não poderia ser se os itens anteriores estiverem em desequilíbrio, agora, será impossível. E o pequenino, de gaiato no navio, poderá ser culpabilizado por um desequilíbrio que já havia antes.
Nesta triangulação edípica figuramos a entrada da criança como um interventor no suposto equilíbrio da vida amorosa do casal. Ela chega com suas demandas, de cuidados e de amadurecimento dos pais, obviamente, mas, denunciando sem saber a sua real condição e a posição que cada membro do casal ocupa no imaginário afetivo mútuo.O excesso de investimento no filho em detrimento do pai,como uma fuga dos conflitos, o sentimento de rejeição paterno diante da chegada da criança, são algumas das denuncias mais recorrentes .
Os arranjos afetivos saltam, as deficiências e indisposições são delatadas e ai surge o “erro essencial de pessoa” aqui, decorrente da imaturidade emocional de cada um para o Amor. Então a ruptura para a maioria é a solução mais fácil para lidar com tantas variáveis que despontam ao mesmo tempo, criando uma cama de gato intrincada e também exigente.
Amar é um aprendizado continuo. Os filhos são o “doutorado”. Bom seria podermos fazer uma “especialização” antes de passar a esta nova etapa. Mas, se não for possível, o próprio Amor é a solução.Lógico, facilitada com a ajuda de uma boa terapia.




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