Muitos casais vêm até mim apresentando
uma dificuldade que denomino sob o empréstimo de um termo jurídico: "erro
essencial de pessoa" que talvez fosse mais bem traduzido
psicanaliticamente como "erro de sujeito". Nomenclaturas à parte, o
que acontece é uma abordagem falaciosa no reconhecimento do outro como parceiro
ideal.
Na maioria dos casos, como já
destaquei em outros artigos, na verdade, não existe nenhum erro. Trata-se de
uma injunção do inconsciente - ou
destino, preferindo uma licença poética -
que nos leva a buscar ali, onde não podemos ver na racionalidade, aquilo que os
olhos da alma pressentem claramente; uma oportunidade de nos confrontarmos
através do outro, com nossos demônios mais agrestes e impositivos, espelhos que
são das nossas mais primárias experiências no aprendizado do amor com nossa família
de origem.
Agrestes, porque difíceis de
domar, e impositivos porque atuam através do inconsciente, se revelando de
maneira velada, compulsiva e irracional. Espreitam continuamente nossas
interlocuções na lida diária com o outro e, se permitirmos, põe tudo a perder.
Mas existe uma
imposição mais difícil que é aquela que emerge quando tudo parece razoavelmente
sob controle, o apaixonamento punge e o casal resolve procriar.
Momento delicado, impulso
visto como de origem instintiva, rotulado por vezes como uma necessidade e por
vezes como uma obrigação a qual, a maioria dos casais aquiesce sem a devida prévia
reflexão e sem o mínimo preparo emocional e capacidade de resposta frente
às exigências significativas que acompanham a solicitação cotidiana na criação dos
filhos.
Seu nascimento, portanto,
proporciona um divisor de águas nas vidas dos casais. Recém-casados ou não, adultos
vividos ou não, será sempre um escolha que chegará repleta de reinvindicações
que irão minar múltiplos aspectos da vida do casal. Alguns muitas vezes
associados a momentos de uma suposta plenitude decorrente, na verdade, da condição
de não comprometimento característica da solteirice e da juventude.
E, obviamente, a mais
importante exigência será a da responsabilidade, da habilidade de responder com
maturidade frente a estas reinvindicações. Trata-se da habilidade em deslocar
suavemente nosso eixo egocêntrico na intenção de um ser que necessita de
cuidados. Ou seja, aprender a cuidar. O que para alguns pode ser algo inédito,
ou pior, ameaçador e gerador de ressentimentos.
Para o homem é a exigência de
se tornar o protetor de dois seres, um frágil pela condição de imaturidade biológica
e outro pela condição de fragilidade diante das mesmas exigências que lhes são
impostas.
A mulher, que se depara
também com um importante desafio, aqui é sobrecarregada de deveres na maternidade.
E precisa responder as solicitações de ambos, marido e filho. Com maiores variações
de meio cultural a meio cultural, ela acaba sendo mais exigida e menos
compreendida.
Será nesta encruzilhada da
vida do casal que se revelarão as dificuldades intrínsecas aos acordos afetivos
aprendidos nos lares de origem. O que aprendemos de melhor e de pior será
destacado a neon quando nossa criança interna se depara com esta outra criança
que produzimos e que chega exigindo capacidade de respostas.
Trata-se de um momento de
luto para ambos, pois abrimos mão para sempre da nossa condição de filhos, inaugurando o novo patamar de pais.
E se estes princípios internos
não estiverem bem resolvidos, obviamente se estabelecerá um problema. Nos
depararemos com um conflito que já se encontrava lá, mas que, será
iluminado pelo nascimento deste filho. Somente quando existe um casal de
verdade a chegada dos filhos não se torna uma ameaça individual ou à relação. Em
primeiro lugar, ocorre uma triangulação relacional onde antes havia apenas
dois.
Motivo de vários estudos psicanalíticos,
originando um termo hoje popularizado e usado muitas vezes sem compreensão real
da matéria, Édipo, e seu complexo, em sua boa ou má resolução na vida emocional
de cada um, terá voz ativa apontando como se arranjou na vida emocional de cada
membro do casal e, criando emergências que interferem no futuro da relação. Por
conta deste fenômeno, sempre uma ponta deste triangulo amoroso, se não bem articulado, sofrerá .
Lacan considera esta possível
má triangulação ao advertir da maneira mais sintética possível: “O maior
serviço que um pai pode fazer para seus filhos é cuidar de sua esposa”.
Em resumo; a maneira como vivenciamos
nossas relações com nossos pais conjugará a maneira com que nos vinculamos aos
nossos parceiros e estabelecerá os parâmetros através dos quais vivenciaremos a
entrada deste terceiro. Bons pais geram bons filhos que serão um dia, bons
pais. Portanto, vale lembrar que é o casal que faz o bebê em sentido real e metafórico.
E na intimidade do casal, se
o diálogo maduro não era possível antes, como poderá ser após sua chegada? Se a
capacidade de partilhar e investir na relação não existia, de que cartola
poderá ser tirada a esta altura? Se as carências e exigências emocionais extrapolavam
o que seria pertinente a um adulto, como se arquiteta uma autossuficiência emocional
de repente? E mais, se a vida sexual não era satisfatória, e não poderia ser se
os itens anteriores estiverem em desequilíbrio, agora, será impossível. E o
pequenino, de gaiato no navio, poderá ser culpabilizado por um desequilíbrio que
já havia antes.
Nesta triangulação edípica figuramos
a entrada da criança como um interventor no suposto equilíbrio da vida amorosa
do casal. Ela chega com suas demandas, de cuidados e de amadurecimento dos pais,
obviamente, mas, denunciando sem saber a sua real condição e a posição que cada
membro do casal ocupa no imaginário afetivo mútuo.O excesso de investimento no filho em detrimento do pai,como uma fuga dos conflitos, o sentimento de rejeição paterno diante da chegada da criança, são algumas das denuncias mais recorrentes .
Os arranjos afetivos saltam,
as deficiências e indisposições são delatadas e ai surge o “erro essencial de
pessoa” aqui, decorrente da imaturidade emocional de cada um para o Amor. Então
a ruptura para a maioria é a solução mais fácil para lidar com tantas variáveis
que despontam ao mesmo tempo, criando uma cama de gato intrincada e também
exigente.
Amar é um aprendizado
continuo. Os filhos são o “doutorado”. Bom seria podermos fazer uma “especialização”
antes de passar a esta nova etapa. Mas, se não for possível, o próprio Amor é a
solução.Lógico, facilitada com a ajuda de uma boa terapia.
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