quarta-feira, 30 de março de 2011 | By: Cinthya Bretas

Tempo e Depressão



Todos nós faremos vínculos. A vida não é solitária. Não surgimos do nada emergindo em meio ao caos como o fez a divindade. Nascemos de vínculos. Houve um pai e uma mãe. Conhecidos ou não. Houve aquele que nos cuidou, de maneira apropriada ou não. Assim foram se estabelecendo nossas primeiras conexões afetivas
A profundidade e a natureza destas conexões, no entanto é particular e desta natureza singular advirá a natureza de nosso comportamento quando esta conexão se rompe de alguma maneira. Dependerá do tipo de investimento afetivo que nos foi feito, da capacidade individual, da qualidade do aprendizado afetivo e da intensidade com que este investimento nos foi ensinado pelo comportamento daqueles que cuidavam de nós. Serão estas lições de amor que nos guiarão por toda a vida. Buscaremos sempre reinventar em nossas vidas este afeto ideal que se afasta de nós em cada passo dado em direção ao mundo. Estes afetos nos tornam sujeitos desejantes. A cada nova conexão afetiva buscamos recuperar este objeto primordial que modelou nosso desejo.
E assim, na eterna busca deste resgate nossas experiências nos farão encarar no trespassar do tempo várias perdas, simbólicas ou reais, vínculos rompidos ou perdidos. A vida impõe limites à realização do desejo.Nossos objetos de afeto se vão parcialmente, se afastam momentaneamente ou simplesmente desaparecem da face da terra como um dia também desapareceremos.
O velho senhor Freud nos dizia em 1915 em seu texto “Nossa atitude para com a morte” [1]que em seus estudos percebe que o ser humano não consegue acreditar em sua finitude. Como o fenômeno da morte nos escapa por ausência de representação simbólica, acabamos por nos imaginar imortais. A morte nos parece irreal. É uma vivencia percebida no desenrolar da vida como algo fora de nós, percebida numa referência distante, externa. Vivenciamos o luto da morte de um ser amado, porém imaginarmo-nos mortos, imaginar a experiência da morte é impossível e ao mesmo tempo repugnante, pois nossa natureza humana nos impulsiona em direção à permanência.
No entanto em nossa existência chegara o momento do ocaso, quando nos depararemos com a sua proximidade inevitável. Ela nos chegará junto com a reavaliação de todas as nossas perdas.
Perdas ligadas em primeiro lugar a nossa à posição humana em suas questões biológicas, já que é num corpo que o sujeito se reconhece e se constitui identificado a este corpo. Assim a percepção do envelhecimento físico por si só já é uma quebra narcísica, um luto com o qual teremos que nos afrontar. Esta percepção virá gradativamente a partir das constatações relativas às alterações sofridas a nível funcional e somático o que comprometerá nossa imagem corporal e, em decorrência disto, nossa identidade pessoal e o valor que lhe era atribuído em uma anterioridade de plenitude física e social. Neste corpo também envelhecem e se encapsulam as memórias afetivas boas ou más que lá se estabelecem.
Em seguida a isto se agregam os lutos vivenciados em decorrência das perdas de afetos, que se foram levados pelo tempo. Os que nos negaram seu afeto ou os que se ausentaram definitivamente de nossas vidas por suas várias vicissitudes que incluem a morte. As mortes de parentes e amigos de idades próximas que invariavelmente sucede a partir de certa faixa etária, impelem ao enfretamento da grande quebra narcísica que é a admissão da morte como um destino comum.
Por fim as inevitáveis perdas de poder e prestígio e de laço social, geradas pelo afastamento muitas vezes compulsório da profissão e muitas vezes acompanhadas destas, aquelas, relativas aos desejos que foram soterrados, muitos dos quais tivemos que abrir mão e que talvez não tenhamos mais tempo ou como realizar. Perdas de ideais.
Os ideais do meio social serão para alguns a maior fonte de sofrimento diante da impossibilidade de continuar a responder do lugar de potencia produtiva exigido pela sociedade
Assim, os vários atravessamentos sofridos relativos a questões econômicas e sociais serão adicionados a questões genéticas que interagirão com fatores psicológicos criando um campo propício a depressão. A Depressão, portanto decorre da  frustração de aspirações narcísicas imiscuídas de suas múltiplas variáveis
Trata-se de um montante de fatores biopsicossociais que serão confrontados diante de um fator particular na história afetiva do sujeito que juntos eliciarão a depressão como resposta.
No entanto paradoxalmente, a despeito da degenerescência do corpo, das limitações impostas pelos ideais narcísicos da sociedade, o inconsciente, sabe-se, não envelhece e com ele também não envelhecem seus desejos.
Assim o que imputa ao individuo de idade avançada ao recolhimento em uma depressão?
Em parte a dificuldade de adaptação as novas condições biologicamente impostas, em parte a dificuldade de gerenciar os desejos d’aprés la lettre  relegando-os a um suposto tempo inadequado ao desejo por imposição de parâmetros juvenis que deverão ser seguidos para aceitação social dentro da imagem preconcebida da velhice .
Voltar-se para a depressão, na escolha da desistência em desejar seria a saída digna diante da dificuldade em lidar com as exigências produtivas do meio e suas restrições e preconceitos diante da degenerescência natural da velhice.
Dificuldade em sustentar o desejo diante de uma organização capitalista que despreza o declínio de poder e que se apóia na fugacidade consumista superficial. E se foi nesta filosofia capitalista na qual se apoiou a vida do sujeito, a dor de lidar com limitações e lutos da velhice será redobrada.
A necessidade de elaborar estes muitos lutos e re-arrumar seus ideais e tecer novos desejos baseados nestas novas possibilidades é tão urgente quanto viver o tempo que lhe resta, sem contar seus dias, apenas vivendo. Porque a perda do desejo em qualquer idade é que inaugura a velhice e instaura a morte em vida. Desejar é imperioso e constitutivo do ser humano
Portanto é imprescindível o exercício refletivo, reavaliar os parâmetros nas escolhas de posições diante da velhice. Lembramos que o desejo é algo de ordem simbólica, não necessariamente material, que nos faz caminhar. Eles se alternam e se atualizam de acordo com nossas experiências se transformando com nossas transformações internas. O ser humano nunca pára de desejar é necessário unicamente autorizar-se a reencontrar este desejo enquanto se vive.


[1] FREUD, Sigismund. Nossa atitude para com a morte. In: Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago [s.d.]. vol. XIV – Edição Eletrônica


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