domingo, 26 de junho de 2011 | By: Cinthya Bretas

Delírios passionais:Ciúmes e Erotomania





Ciúmes.



No chamado delírio de ciúmes a fórmula se repetirá de forma bastante ilustrativa. No ciúme o que se vê quase sempre é uma tendência a triangulação da relação amorosa segundo as descobertas psicanalíticas, em busca de satisfazer desejos homo afetivos que se encontram subjacentes. São amores obsessivos que tomam toda a vida do paciente e provocam este “zêlo” desmedido e compulsivo. 
Segue a fórmula: “Não o amo, é ela quem o ama” (no caso masculino, embora esse tipo seja mais comum nas mulheres). Tenta se livrar do desejo projetando-o na parceira (o) e logo após sendo perseguido por ele. “Em geral, demonstra-se que o homem[1] enciumado, não está  irritado simplesmente pelo fato da parceira ter interesse por outro homem, mas também se irrita com o fato de este dá atenção a ela e não a ele“.
Esse ponto de discussão é importante para percebermos como aponta Fenichel, “que o sexo do paciente não parece influenciar a estrutura do delírio. É fácil substituir ‘ela’ a ‘ele’ e vice-versa nas fórmulas freudianas que caracterizam os delírios persecutórios, erotomaníaco e de ciúme“. 


Erotomania

No filme, À La folie pás du tout ,  observaremos a fórmula da erotomania: “Não o amo a ele, amo-a a ela, porque ela me ama“. Nos meandros delirantes da personagem central a convicção quanto ao amor do objeto superinvestido destacará a arquitetura psíquica deste quadro.
A erotomania, também conhecida como síndrome de Clérambault, recebe este nome a partir do estudo Les Psychoses Passionelles publicado em 1921 pelo psiquiatra francês, Gaëtan Gatian de Clérambault (18721934) sobre o assunto. Porém já na antiguidade autores como Hipocrates, Plutarco e Galeno fizeram referencia a casos que hoje seriam classificados como erotomania
 A primeira referência em estudo concreto se remete ao tratado Maladie d'amour ou mélancolie érotique di Jacques Ferrand (1623). Depois teremos Jean-Etiénne Esquirol que o classifica como: Delírio de “monomania erótica” ou “a loucura do amor casto”. O nome que talvez tenha se tornado popular foi dado pelo também psiquiatra francês Agustín Benedict Morel que preferiu tão somente chamá-lo de: “Delírio de amor”.
Daí se percebe que este mal de amor delirante acompanha o ser humano desde que ele existe sobre a terra.
Clérambault em sua análise dos casos conclui que os erotômanos não são nem reivindicadores nem idealistas passionais. A erotomania que deriva do sentimento amor, na verdade, se constrói a partir do delírio de ser amado. Assim sua exigência secundária e incidental, tem lugar numa inversão: ao invés de se fazer da paixão um caso particular de reivindicação(amar alguém) , faz-se da reivindicação em si (o Amor) um caso particular de paixão.
Seu delírio se apóia em um principio fundamental e em três movimentos:
 O principio será que existe a certeza que o sujeito erotômano tem em ser amado pelo objeto. Este objeto nunca será uma pessoa qualquer, ele é sempre um objeto inacessível por alguma razão. Pode ser alguém de nível social elevado, alguém idealizado, alguém distante, e hoje em dia alguém enredado em virtualidades. Figuras das redes sociais, dos sites de encontro etc
O sujeito que delira, verá a confirmação de que é amado, em tudo à sua volta através de uma seqüência de idéias e interpretações súbitas desviantes da realidade como um “amor à primeira vista”. Existe assim a idéia de uma grande conspiração universal a favor deste amor. Este complô dentro do principio delirante poderá ser reconhecido e confirmado em interpretações incessantes tanto de ocorrências atuais quanto de fatos antigos que provocarão ações em direção ao objeto, incluindo viagens e perseguições. Desta maneira tudo pode se tornar uma sinalização confirmante que pode extrapolar ao metafísico. Gestos, posturas, palavras, a organização dos objetos da casa, imagens na mídia, tudo passa a ser código secreto produzido pelo objeto de amor confirmando seu afeto.   

Assim algo que a princípio se assemelha a um episódio corriqueiro de enamoramento, quanto em suas atitudes de apaixonado, contudo, não é igual, pois na erotomania há uma intensidade absolutamente desmedida da paixão, além do fato de ela ser apenas uma ilusão. Na maioria das vezes o objeto desta paixão alucinada até mesmo desconhece o erotomaníaco. Ocasionalmente o objeto do delírio sequer existe, porém o mais comum é que ele seja endereçado a pessoas inalcançáveis e/ou expostas na mídia, como cantoresatores e políticos. E como já foi citado o delírio supõe que o objeto de delírio é que inicia a sedução

Seus três movimentos segundo Clérambault abarcarão a principio um período otimista e posteriormente dois períodos pessimistas. A primeira fase será a fase da esperança, quando o erotômano se crê amado de forma convicta, inabalável. Seria a fase do orgulho.A segunda fase é a do despeito, quando surgem sentimentos ambíguos de conciliação e de vingança, em decorrência do seu orgulho anteriormente ampliado se encontra ferido, pelo fato do objeto de amor não estar correspondendo ao que o erotômano dele esperava.E a terceira e última fase é a do rancor, a fase da reivindicação, da querelância[2] quando o sujeito passa a sentir ódio do objeto e a fazer-lhe falsas acusações e ameaças de vingança, ou mesmo a se sentir ameaçado e perseguido pelo objeto - os dois últimos são os períodos pessimistas.
                       Como vimos nos mecanismos da paranóia, os conteúdos delirantes serão re-projetados no mundo externo, alimentando dessa maneira toda a estrutura do delírio que é ao mesmo tempo, a doença e a tentativa de religar-se ao mundo externo e restabelecer relações de objeto[3].
Refletindo, no entanto sobre estes indivíduos que passam o tempo todo contemplando o objeto amoroso, sem conseguirem jamais alcançar seu objetivo erótico, encontraremos uma fixação convulsa ao objeto muitas vezes semelhante àquela que arremete o erotomaníaco em direção ao depositário do conteúdo delirante, construindo a partir de quase nuvens os sinais alucinados de reciprocidade que corroboram sua perseguição. Trata-se de um superego projetado, re-introjetado e expelido novamente em uma nova projeção agora investida com os conteúdos do ego.
Este mecanismo pode ser claramente percebido nos delírios onde o paciente vive permanentemente a certeza de ser observado e criticado ou ainda de que todos riem dele.
Em tempo, a paranóia, o delírio de ciúmes e a erotomania, cabe ressaltar, estão no contexto de esquizofrenia.


Referencias literárias e cinematográficas :

 

 

McEwan, Ian Amor sem Fim(Enduring Love) Cia das letras , SP 1997

 

 Otello -filme britânico americano 1995 direção Oliver Parker .baseado na obra de W.Sheakespeare Laurence Fishburne  e Irène Jacob
 A lá Folie pás Du Tout-   Filme francês Laetitia Colombani , 2002 , com Audrey Tautou e Le Bihan Samuel , gira em torno de um caso clássico de erotomania .
Amor Para Sempre ( Enduring Love )- britânico filme de Roger Michell , 2004 , com Daniel Craig e Rhys Ifans , é a adaptação cinematográfica
Anna M. - Filme francês Michel Spinosa , 2007 , com Isabelle Carré e Gilbert Melki , ilustra a síndrome de Clérambault , ou erotomania 



Bibliografia

De Clerambault, G. (1921).  Les psychoses passionelles.  Ouvre Psychiatrique. París : Press Universitaires de France.
Fairbain, W. R. D. (1980). Estudos Psicanalíticos da Personalidade (E. Nick, Trad.). Rio de Janeiro: Interamericana. (Original publicado em 1952).
Otto Fenichel(1945), Teoria psicanalítica das neuroses, Atheneu, São Paulo, 2000
J. Laplanche e J-B Pontalis, Vocabulário da psicanálise, Martins Fontes, São Paulo, 1982
Roudinesco, Elisabeth & Plon, Michel, Dicionário de Psicanálise,Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997


[1] ou mulher
[2] Atitude agressiva e de represália da parte de pessoas que se julgam vítimas de injustiça. Na maioria das vezes são casos de paranóia, com delírio crônico sistematizado não-alucinatório e de tema persecutório. O risco para a sociedade é o de que estes pacientes de perseguidos passam a ser perseguidores, reivindicando "direitos", reais ou imaginários, mas, mesmo havendo um mínimo de realidade, há a grande distorção devida à perda do juízo de realidade dentro do tema delirante. São tipos comuns nos processos da Justiça do Trabalho.
[3] Expressão muito usada na psicanálise contemporânea para designar o modo de relação do indivíduo com o seu mundo, relação que é o resultado complexo e total da sua personalidade, ou seja, de como ele se relaciona para fora de si mesmo.   O indivíduo se relaciona com o mundo em função de suas defesas, tendências inatas, necessidades, valores de caráter, enfim, de sua personalidade, que impregnam sua forma de agir com as pessoas e com os bens materiais e imateriais, sendo a relação com os objetos que demonstra quem ele é na expressão de sua personalidade.
   Assim, sua relação de objeto deveria ser entendida como relação com os objetos na qual, de diversas maneiras:

1 - Ele elegeria o objeto em função das pulsões oriundas do id: pessoas, bens duráveis, partes de um corpo (seios, pernas, etc.) ou mesmo fantasias como alvo, metas de sua satisfação. 

2 - Ele elegeria o objeto em função das idealizações egocêntricas ou sentimentos instalados no ego (amor ou ódio): pessoas, religião, filosofias de vida, profissão, hobby, etc; como metas da sua satisfação.

3 - Ele elegeria o objeto em função das suas necessidades (segurança, reconhecimento,etc.): possuir bens duráveis e permanentes que criassem as condições mínimas para sua preservação e sobrevivência, bem como para a sua aceitação e valorização. Exemplos: casas, terrenos, dinheiro, propriedades.

4 - Ele elegeria objetos em função da sua necessidade de auto-realização empática: doar-se, dedicar-se, servir ao próximo, etc.

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