terça-feira, 23 de novembro de 2010 | By: Cinthya Bretas

Ciúme




O Verme  
Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,

Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão...
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.

Machado de Assis, in 'Falenas'
.





O ciúme no Dicionário de Psicologia (1978, p.53) e descrito como: “Estado emocional caracterizado pela ansiedade, sentimento de amor e desejo de obter a segurança e a ternura que uma segunda pessoa demonstra a uma terceira.” Mas em sua analise etimológica veremos que deriva do latim zelumen e do grego zeloso que faz com que muito o associem a uma prova de “zelo” da relação amorosa. 
Mas quais são os limites entre o normal e o doentio quando se fala em ciúmes? 
Freud dizia que existe um ciúme que pode ser considerado normal.O ciúme será por ele classificado em tipos e graus diferentes. 
O primeiro seria o ciúme devido à concorrência com o rival, e a questão que o embasa é, sobretudo, uma competição com o outro decorrente do medo de perder o objeto de amor, Este tipo de ciúme pode ser observado desde a competição que se estabelece entre irmãos até mesmo aquele que acontece entre conjugues ou namorados. De uma maneira ou de outra, o que está em questão é mais o amor próprio do que o amor ao outro. Trata-se de um amor que se baseia na crença de que não se é suficientemente amado pelo outro e que o outro pode oferecer algo que não se pode oferecer. Este ciúme se apóia numa baixa auto-estima e se esquece de que cada um de nós será sempre único. Nunca ninguém poderá se equivaler a ninguém. Se fosse possível ao ciumento se lembrar disto, perceberia que poderemos sempre superar qualquer diferença.
Neste caso seria importante fazer um profundo  trabalho terapeutico que deverá ser direcionado a decobriri as formas mais primarias de relação afetiva do ciumento,seu aprendizado de amor, por assim dizer, para entender a origem deste sentimento de ser indigno de ser amado.
Nestes casos o ciúme em relação a possíveis rivais percebidos como inferiores geralmente conseguem ter uma modulação razoável, mas, quando se tratam de pessoas percebidas como superiores em algum aspecto como intelectualmente, socialmente, profissionalmente, culturalmente, é comum que emerjam sentimentos terríveis de humilhação e ultraje e o sofrimento desencadeado é muito grande.

O segundo tipo seria o ciúme ocasionado de uma projeção feita sobre o outro de seus próprios desejos de infidelidade, realizados ou não. Assim nosso desejo de cometer uma infidelidade, muitas vezes inconsciente, acaba sendo projetado e começamos a imaginar que nosso par anseia  por ,ou ,já nos está traindo. Este tipo de ciúme necessita muito cuidado ao ser detectado dentro de uma relação uma vez que nos fala de uma insatisfação camuflada que acredita não ser possível encontrar uma saída ou transformação positiva na relação.

Já o terceiro tipo, mais polêmico e difícil de admitir, segundo Freud seria já um ciúme delirante, acompanhado da convicção inabalável da traição do outro e completamente fora de controle, deriva de uma homossexualidade negada, como uma forma de se dizer, inconscientemente, que não é a própria pessoa que ama o rival, mas seu parceiro a quem se atribui a traição. Eis aqui um tipo de ciúme com o qual será necessário um cuidado especial pela delicadeza da questão. Na maioria da das vezes trata-se de um fenômeno completamente inconsciente e gerador de grande tortura uma vez que para estes, por várias questões particulares a história de cada um, a opção de assumir um homossexualismo se apresentou como impossível.

Durante os ataques de ciúme poderemos observar uma mistura de sintomas que variam desde depressão até a agressividade, inveja, ansiedade, angústia e medo de perder o objeto de amor. Todos estes sintomas decorrem de uma baixa auto-estima que necessita ser reconhecida e trabalhada.

Exemplos deste tipo podem ser vistos na literatura e no cinema como em Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis, onde Bentinho em seu delírio ciumento termina por perder a razão. O filme L'Enfer (O Inferno) traduzido como Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo, filme de Claude Chabrol de 1994, ilustra bem as raias da loucura destrutiva a qual pode chegar um individuo possuído por este ciúme delirante.

Embora alguns acreditem que o ciúme seja algo normal, o dito zêlo que se deve ter na relação a dois, na verdade é um sentimento paradoxal se nos ativermos ao fato de que se trata de uma negação da confiança que é necessária e implícita numa relação afetiva. Mas é importante lembrar que numa relação onde existe o ciúme e o ciumento patológico existe o outro lado que é o sujeito objeto de amor , este que sofre tanto com perseguições e ate mesmo com a agressividade de seu parceiro descontrolado e irracional.
Sua postura também poderá ser percebida como patológica,  pois pode ser de conivência, de instigação provocativa ou de aceitação passiva. Todas elas manifestando uma conexão e identificação inconsciente com uma posição de vitima diante de seu algoz ciumento.

 Quem convive com o sujeito portador deste , como de outros tipos de amor patológico, sem conseguir se desvencilhar deste relacionamento, é também portadora de alguma dificuldade emocional.  Muitas vezes estamos diante de uma relação de dependência mútua onde a suposta vitima também têm baixa auto-estima além de intensos sentimentos de culpa e por conta disto grande dificuldade em se desvencilhar assim como  grande facilidade em atrair relacionamentos complicados.
Este parceiro também necessita ajuda profissional afinal, as relações se estabelecem entre pares e ambos necessitam encontrar seu ponto de equilíbrio pra que a relação possa dar certo.
 Cinthya Bretas

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