sábado, 10 de setembro de 2011 | By: Cinthya Bretas

Mentiras, fantasias: infidelidade Virtual existe?

Terapia de casal na era cibernética   
Digo sempre a verdade. Não toda... pois, dizê-la toda, não se consegue... .
Dizê-la toda é impossível, materialmente... faltam as palavras.
 É justamente por esse impossível... que a verdade toca o Real.”
J. Lacan (1973b)

  


                       
Os Tempos da modernidade dialógica abarcaram definitivamente as relações intimas. A velha norma da modernidade: ”comunique-se” nunca esteve tão exigente e ao mesmo tempo tão esquecida. Se ontem, como precavia o papa tupiniquim da comunicação; ”Quem não se comunica se trumbica”, hoje na lógica da era cibernética comunicar-se, ou linkar-se paradoxalmente é sinônimo de solidão e alheamento.
      Cada coração medroso e solitário busca na comunicação digital o substituto seguro de uma relação téte-a-téte que por muitas vezes pareceria arriscada. Em primeiro lugar deve-se atentar para o fato de que  os laços sociais no cyberespaço se formam de maneira rápida gerando uma pseudo-intimidade facilitada pela proteção ocasionada pela distância real.  Espaço onde se podem expressar sentimentos e opiniões sem confrontos diretos estando-se amortecido pelos avatares cujos olhos vêem por nós  . Aqui só se mostra o que se quer mostrar e os investimentos que não podem ser feitos sobre o corpo amado se transferem aos objetos técnicos como adverte o psicanalista francês Serge  Tisseron .

            A tela é a armadura que se decodifica e se adapta ao nosso ideal de eu particular, transcodificando todas as mensagens virtuais em termos de nossas expectativas e criando uma nova possibilidade de comunicação onde jamais existiria.Somos novos, somos outros, somos mais. 
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Homens e mulheres que nunca se imaginariam em condições de se relacionar em outras épocas, hoje contam assim com uma ferramenta instigante que proporciona estar e não estar, criar identidades e flertar indiscriminadamente e trocar de parceiro em inconstância ou concomitância com ou sem vias a concretude carnal e o melhor, na seguridade do lar, ser riscos para o corpo ou para a alma .
 Sites de relacionamento e salas de bate papo estabelecem ambiente adequado para que se inicie uma relação apoiada quase que unicamente na fantasia. Como se já não bastasse o tanto de fantasia e projeção que se investe numa relação dita “real”[1] ou pelo menos não virtual.

            Assim paulatinamente alguns incautos mergulharão num encadeamento delirante de promessas de amores mais do que ideais, que podem ou não se concretizar ou que ficarão unicamente no plano das idéias mesmo, ad infinitum para a comodidade de alguns.
 Namoros cibernéticos propiciam aos quase fóbicos sociais uma alternativa segura de relacionamento. Afinal quase se pode ter tudo numa relação virtual, até mesmo a relação sexual adquire um formato apropriado se adequando ao empecilho da ausência física.

Definitivamente a intimidade se expande e se mostra numa versão atualizada de fort-da[2]. Um jogo estranho de mostrar – ocultar, ser e não ser, estar e não estar ou ser, sem ser.
Segundo a socióloga Sherry Turkle do MIT[3] trata-se da re-arquitetura da intimidade proporcionada pela tecnologia  onde entre outras coisas os indivíduos cada vez mais se sentem atraídos no ciberespaço a conexões que parecem de baixo risco e sempre à mão’. Portanto imagina-se que os laços de fibra ótica que se formam através da rede seriam assim, inconseqüentes, brincadeiras fáceis de descartar. Será?
Assim acredita um vasto número de pessoas que, se apoiando neste principio, iniciam relacionamentos supostamente sem conseqüências em cyberespaços especializados e as que parecem investir mais ultimamente, além dos indivíduos com dificuldades em relacionamentos concretos são aquelas enfadadas em seus casamentos.

A busca de novas emoções através da internet induz a uma proposição de  virtualidade inconseqüente onde existe a possibilidade de vivenciar todas as fantasias num espaço de liberdade, sem controle , sem lei , sem as amarras da introversão e da ausência de autoconfiança , já que no ambiente virtual pode-se fantasiar tudo , reinventar tudo inclusive quem somos nós . Tornamo-nos assim miragens para nós mesmos.

No entanto, atentemos que o mundo virtual não é o mundo falso em oposição ao mundo verdadeiro, não é uma oposição que ocorre, mas um paralelismo, uma nova dimensão, ao feitio da fabula cinematográfica de um Matrix onde se bobearmos perdemos o chão e emergimos num universo composto de miragens que se relacionam e se desfazem cotidianamente.
A possibilidade de ser tudo e nada para o outro ao mesmo tempo gera uma excitação talvez superior a de um relacionamento que se inicia na concretude cotidiana e pode gerar uma dependência deflagrada pela exigência de expansões constantes da realidade virtual, instigando a imaginação para além do além imaginado, levando o usuário a alçar velas numa navegação cada vez mais surreal. 
As práticas midiáticas quando referidas as trocas afetivas, portanto, podem se tornar uma armadilha perigosa.
Se a relação real do usuário não está estabelecida sobre bases sólidas e verdadeiras, ou pior, se as coisas andam capengando no trato afetivo intimo, o risco da doce sedução do canto da sereia cibernética se amplia.
   
Acreditando que desta maneira estarão isentos de culpa ou de risco alguns incautos navegantes mergulham nas tórridas paixões virtuais sem se dar conta de que ultrapassam um limite de confiança da mesma maneira que o fariam fora da virtualidade.Ou pior o fazem acreditando na impunidade.

A infidelidade alcançou enfim o status cibernético, e agora, quase rompida a tênue linha que separa o “real” e o virtual surge a necessidade de nos perguntarmos: o que se pode considerar ou não traição ? E o que se pode ou não considerar adultério, já que são matérias diferentes?

No segundo caso a justiça ainda estuda as variáveis intervenientes na consideração do que poderia configurar um adultério em se tratando de virtualidades, no entanto o artigo Art. 5 o da Lei 6.515, Lei do Divórcio, coloca claramente a possibilidade de solicitar o mesmo quando; imputar ao outro, conduta desonrosa ou qualquer ato que comporte em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. 
Será então que atos praticados com pessoa “sem identidade”, ou seja, de identidade virtual não presencial irá caracterizar frente a justiça uma grave violação aos deveres do casamento?
 Pode-se considerar então o encontro erótico-afetivo desenvolvido pela internet como platônico, se suscitarmos a possibilidade da identidade do outro poder ser completamente fantasiosa. E se, num caso jurídico exige-se a prova para condenação,  no caso cibernético seria quase impossível  obtê-la   uma vez que sempre sujeita à adulteração ou eliminação de dados através de invasão de acessos e correio eletrônico. Não havendo integridade e duvida sobre a autenticidade da prova ela fica falha.

.           Em se tratando de infidelidade virtual toma-se um outro rumo na avaliação. Necessário se torna pensar que, em primeiro lugar, pode-se facilmente transformar o virtual em real, mesmo em situações em que a localização geográfica possa ser a principio um impeditivo. Podemos também considerar que antes de tudo ,  venha ou não a se concretizar, houve a intenção, o movimento em direção à. Se, faltou coragem ou sobrou covardia para levar a situação a termo isto não retira a força do desejo de escapar da relação em que se encontra.
Seja por dificuldade de diálogo; a velha falta de carinho e atenção que assombra as relações mal geridas. Por dificuldades sexuais; quando os parceiros diante das dificuldades sexuais de cada um optam pela fuga, sem lutar pela busca do prazer agregado ao afeto e correm em direção as aventuras sem vínculos profundos. Pelo fim do amor ou por vingança; quando as mágoas se avolumaram num patamar insuportável e os indivíduos da relação não conseguem se modificar,  se perdoar e tentar a reconstrução da relação e insistem em vivem uma vida conjugal desnecessariamente infernal ou, quaisquer outras questões intervenientes que impuseram ou impeliram que ocorresse esta busca, o fato é que a traição ideológica aconteceu.
 Não se soube lidar amadurecidamente com as dificuldades da relação e buscou-se a principio na fantasia a substituição do desejo não realizado ali junto com o parceiro reconhecido como oficial.
Precisa-se admitir que para inicio de conversa as coisas não estão mesmo lá muito boas, senão esta necessidade não emergiria. Então não há como negar.

             Se pelo  lado jurídico o adultério não se configura sem a consumação carnal, pelo lado psico-afetivo traição é aquilo que acontece quando falta a confiança e a sinceridade . Então se vem acontecendo, cessa tudo que a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta!. 


Chegou a hora de colocar as cartas sobre a mesa, chegou a hora de discutir o inadiável e talvez partir pra outra. Outra relação, outra maneira de encarar os afetos, outra delicadeza no trato dos objetos de desejo. E se houver um verdadeiro investimento na relação pode-se pensar nisso tudo, nesta outra relação nesta delicadeza reinventada, reinvestida no mesmo parceiro, transvertido em novo através do trabalho de reflexão profunda e franca. Quem se habilita?!


[1] Mas como perguntaria aqui o velho senhor Lacan :O que é o real afinal?
[2] Fort-da ou o jogo do carretel é um conceito criado por Freud a partir da observação de seu netinho de dezoito meses relatado em Mais além do princípio do prazer” (1920) Freud observou que seu neto (Ernstl), filho de Sophie Halberstadt,costumava divertir-se, quando sua mãe seausentava, atirando para longe da cama os objetos pequenos que estivessem ao alcance desua mão. Esse gesto era acompanhado por uma expressão de satisfação que assumia a forma vocal de um “o-o-o-o” prolongado, no qual se podia reconhecer o significado alemão fort, isto é, “fora”. Um dia, conta Freud, o menino se entregou a essa mesma brincadeira de sumir usando um carretel de madeira preso a um barbante: atirava o carretel, acompanhando o movimento com seu famoso “o-o-o-o”, e depois, puxando o barbante, fazia-o voltar, saudando o carretel com um alegre da, “aqui”(da)! Mediante essa brincadeira, Ernstl parecia transformar uma situação em que era passivo, e sofria o perigo ou o desprazer causado pela partida da mãe, numa situação da qual era senhor, fosse qual fosse o caráter doloroso do que se repetia nela. A essa primeira interpretação Freud acrescentou
uma segunda, complementar: o menino, através daquela brincadeira, encontrava um meio de exprimir sentimentos hostis, inconfessáveis na presença da mãe, porém capazes de satisfazer seu desejo de vingança decorrente da partida dela. Em outras palavras, o menino não conseguiria suportar o desagrado acarretado no jogo pela repetição de uma separação, a não ser pelo fato de “um ganho de prazer de outra natureza, porém direto, estar ligado a essa repetição”. Seria lícito concluirmos dessas duas observações, reunidas sob o rótulo de “perigo externo”, pela existência de tendências psíquicas mais originárias, situadas além do princípio de prazer.
[3] Massachussets Institut of Technology (MIT)

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