sábado, 10 de setembro de 2011 | By: Cinthya Bretas

Então acabou?




"Muitas pessoas pensam que a felicidade somente
será possível depois de alcançar algo
, mas a verdade é que deixar para ser feliz amanhã
 é uma forma de ser infeliz."
Roberto Shinyashiki

Não há mais como continuar, Fim da linha. Esperou-se tempo demais sem que ninguém ousasse tomar uma providência e agora é definitivo.
Não existem mais desculpas. Qualquer passo na mesma antiga direção causa dor, constrangimento e a estranha sensação de que um erro enorme esta sendo cometido. Ao mesmo tempo, ainda assim, não obstante esta certeza, a dúvida ainda assombra uma decisão que tanto custou a ser assumida.
Às vezes acontece. Lastimável. Não existe mais acordo, nem planos para o futuro. O eco do ressentimento ressoa pelos quatro cantos da casa, oca de afetos.  Uma névoa gélida preenche o vazio que nos separa daquele a quem dedicamos parte de nossa vida.  Sobraram apenas dores no corpo, olhos já secos de lágrimas, insônia e alguns sonhos bestas jamais concretizados.  Você estrangeiro em sua própria casa. O outro um desconhecido. Uma sombra à qual seus olhos nem desejam mirar.
Este estranho distanciamento,como sempre acontece, foi implantando passo a passo e teve seus sintomas bem explícitos, mas ninguém se habilitou a saná-los. Aliás, o que se tenta, no mais das vezes, é aumentar seus danos. Trata-se de acusar o outro e fazer destas acusações o mote central sobre o qual os comunicados cotidianos são feitos.
Tudo se insinua entre dentes e quando a coisa chega às raias do inaceitável as acusações atravessam o portão principal e vão dar na rua seu grito de reclame para quem quiser, ou não quiser, ouvir.
Lava-se a roupa suja vergonhosamente em praça pública. E os erros — como se já não bastasse à impossibilidade de nomeá-los com honestidade, maturidade e transparência, sem ressentir-se de maneira infantil, como bons amigos e parceiros deveriam fazer — são propagados aos quatro cantos, e de preferência fazendo-o o mais agressivamente possível, impiedosamente.

O que não se entende é que o conflito nasce de dentro pra fora.. Repica no outro e retorna a nós e nas nossas questões afetivas mais mal resolvidas e daí faz seus estragos num crescente absurdo.
 O porquê de tanta magoa, no entanto é claro. Não se soube fazer o mínimo: conversar. Deixou-se ir e crescer um mal-entendido atrás do outro. Sem questionamento, sem busca de soluções, sem que se sequer tentasse fazer a pergunta ou a coisa certa. Durante todo o percurso da relação cada um foi prima-dona e, defendendo seu espaço central neste palco conjugal , se manteve exigindo todas as luzes e primazias para si no desenrolar diuturno da cena dramática .
 Livrai-nos Deus! Dos mal-entendidos, dos silêncios ressentidos, das dificuldades de partilha, das dificuldades em falar dos sentimentos, mazelas roedoras de todas as relações. Livrai-nos Deus! Da imaturidade egocêntrica que acredita que o outro sempre é que deve se curvar ao nosso desejo, livrai-nos do orgulho que nos impede de sair do pedestal  admitir-se que errou e pedir desculpas .

Porque será que chegamos tão despreparados para as relações? Ao mesmo tempo ansiamos, buscamos, imploramos ao mundo que nos aponte o caminho que nos levará ao encontro do parceiro amoroso. Erramos o endereço muitas vezes e insistimos no mesmo erro. Amar é um aprendizado cotidiano e cada vez mais os indivíduos se colocam indisponíveis ao seu tirocínio.
Porque ficamos tão desesperados nas relações e sempre desistimos antes de tentar, na crença preguiçosa que tudo que foi possível fazer foi feito. Sempre se acha que se fez todo o possível. Ninguém abre mão de nada pelo bem comum.
O egoísmo norteia todas as relações da modernidade individualista.  Ninguém modera as conseqüências de seus atos.
Todos querem ganhar sempre o tempo todo. Se o outro sofre porque não nos importamos em engendrar pequenas vinganças infantis durante toda a semana, tanto faz. Diverte, exalta o ego. E o que são estas vingancinhas tolas que aceleram o afundamento do casamento?  São sinais da grande solidão interna e da falha de caráter. E este e outros comportamentos de retaliação cotidiana, de satisfação flagrante em controlar ou diminuir o parceiro, não fazem ninguém vencer porque não há vencedor, somente perdedores miseráveis que não souberam partilhar, compreender, conciliar e equilibrar suas  emoções ou impulsos menos nobres.

Amar exige disponibilidade, mas, incrível! Exige também caráter. Para se comprometer numa relação de afeto a dois, ou a três ou mais, quando vêm os filhos, necessita-se um coração disponível.
Seqüelas de criação, de traumas de infância, quem não os tem? Eles nos fazem cometer enganos inconscientes no trato afetivo, é verdade. Mas que isto não se torne um pretexto sempre à disposição, quase uma carteira de habilitação à falha amorosa.
Amar, assim sendo, exige também o trabalho de reflexão de vasculhar as origens de nossos erros. Cabe confrontá-los, buscar reconhecer traços repetitivos aprendidos na trajetória do aprendizado afetivo e procurar saná-los, atualizar as respostas emocionais diante das trocas afetivas na nova realidade, porque não se pode carregar pra sempre estas mazelas.

Esta é a diferença existente entre aquele que se percebe em falta, cometendo erros e aquele que jamais admitirá ou que cinicamente as repete sem jamais refletir ou aceitar interlocuções. O que se nega a sair do pedestal carregará o sofrimento por toda sua vida porque mais cedo ou mais tarde será abandonado, trocado por outro mais flexível e disponível.

 Amar exige também maturidade para saber que depois da cena do beijo, aquela cena final do filme, do: “felizes para sempre” é que começa a prova dos nove que é de acordos e disponibilidades. Não de reservas orgulhosas, melindres e agressividades.

Então acabou? Sejamos no mínimo um pouco nobres. Para que aumentar os tantos sofrimentos decorrentes do despedaçamento de uma aspiração amorosa que teve um investimento considerável? 
             Pelo menos ao final sejamos generosos, senão ao outro,  pelo menos conosco mesmos, nos proporcionando um mínimo de dignidade. Nada mais de acusações! Peça desculpas! Peça, mesmo acreditando firmemente que não errou. Mas, cá entre nós, ou lá entre você e sua imagem ao espelho, reflita: somos humanos e é característica da humanidade cometer volta e meia algum erro, então, admitamos nossa humanidade, façamos nossa mea culpa conjugal .

            Seja generoso nas coisas mais prosaicas. Divisão de bens, embora não pareça, deveria ser algo para não se digladiar.Mas a guerra ocorre porque se está brigando, não pelo que se adquiriu durante ou antes do enlace, nem pelo que se perdeu ou ganhou com a separação mas pelo que significa em termos de perdas afetivas, pelo que se investiu apegadamente nesta relação .
E se o pudéssemos ao menos admitir, dividir não doeria tanto.
E o mais importante, muita atenção: os filhos se existem, não são bens materiais. São seres nascidos da união. Devem ser preservados e jamais culpados direta ou indiretamente, nem mesmo receber a pecha de culpa em qualquer instância.
A culpa será sempre dos adultos imaturos para o amor. Eles, com sorte,muita sorte, ainda não terão tido sua capacidade de amar completamente deteriorada pelos conflitos dos pais e poderão ter ainda sua chance de serem felizes no amor um dia. Não estrague esta chance fazendo da separação um evento traumático e mais sofrido do que já é.
Agradeça aos seus filhos por serem a parte boa e agradeça ao seu parceiro pelos bons momentos, porque sempre existem bons momentos.  E poderão continuar a existir porque, em todo este tempo que estiveram juntos, se o tesão acabou, se a repetição dos erros ultrapassou o limite do suportável, no mínimo se deveria ter construído uma amizade.
Se houve traição de qualquer tipo, no entanto, esta possível amizade se torna inviável? Depende da capacidade de cada um em deixar ir, de relevar e reconhecer no outro a mesma humanidade que está em si.
E mais ainda, dependerá da capacidade individual em investir no trabalhar a si mesmo, se refazer e se permitir ser feliz no amor. Porque para tentar ser feliz nunca é tarde. 
Mas para isto será necessário um investimento, aquele que não ocorreu durante a relação.
O investimento no autoconhecimento, na tentativa de extermínio dos vícios afetivos e na resolução de uma nova postura de busca crítica de consciência nas relações íntimas.E o momento para começar é agora.

0 comentários:

Postar um comentário

Diga o que pensa