sexta-feira, 18 de novembro de 2011 | By: Cinthya Bretas

Porta do Céu, Porta do Inferno

Os Portais do Paraíso

Um orgulhoso guerreiro chamado Nobushige foi até Hakuin um eminente mestre do Zen, e perguntou-lhe: "Se existe um paraíso e um inferno, onde estão?"
"Quem é você?", perguntou Hakuin.
"Eu sou um samurai!" o guerreiro exclamou.
"Você, um guerreiro!" riu-se Hakuin. "Que espécie de governante teria tal guarda? Sua aparência é a de um mendigo!".
Nobushige ficou tão raivoso que começou a desembainhar sua espada, mas Hakuin continuou:
"Então você tem uma espada! Sua arma provavelmente está tão cega que não cortará minha cabeça..."
O samurai retirou a espada num gesto rápido e avançou pronto para matar, gritando de ódio. Neste momento Hakuin gritou:
"Acaba de se abrir o Portal do Inferno!"
Ao ouvir estas palavras, e percebendo a sabedoria do mestre, o samurai embainhou sua espada e fez-lhe uma profunda reverência.
"Acaba de se abrir o Portal do Paraíso," disse suavemente Hakuin.


As emoções são em teoria o que torna os seres humanos especiais, o que os difere dos outros animais[1] que caminham sobre o planeta. A capacidade de se emocionar torna o humano um ser único. O riso e o choro, sinalizações de alegria ou sofrimento são particularmente característicos de nossa humanidade. Em sua manifestação sempre estarão associados a outro fator cuja percepção não é partilhada psiquicamente com nenhum outro animal da face da terra: A temporalidade.
Embora sendo um conceito variável e bastante relativo, é o diferencial que veicula nossas emoções cotidianas junto a outra competência particular e característica do humano que é a de imaginar. Nossa mente, observando-se estas suas três habilidades e sua interação, é como o transportador da nave “Enterprise”[2],que se imortalizou no cinema e nos seriado de TV. Sendo acionada, solicita-se o transporte, è feita a conexão e em alguns segundos já não estamos mais aonde estávamos e nem sequer nos damos conta de  como foi que isto se deu. Mudamos de freqüência em intensidade tão crucial que todo o nosso corpo será também afetado. Devemos nos lembrar que nosso corpo 80% composto de água é um meio condutor eletrolítico assim como também é um gerador de energia. Um gerador “bio-elétrico”[3] na ausência de outro termo mais adequado.
         É polarizado, responde e pode servir de condutor para outras ondas de energia as quais estejamos permeáveis.  Nosso sistema nervoso também opera por meio de estímulos elétricos e reage a estas emoções operando uma complicada rede de respostas que gerarão uma proporcional reação neurovegetativa que poderá se cristalizar posteriormente numa enfermidade.
O fato é que nosso corpo e todos os seus processos como descargas de adrenalina e altas de pressão sanguínea reagem não só a um real estímulo externo, defendendo-se, num claro resíduo biológico do instinto clássico de ataque ou fuga, mas, também à fantasia mental.
O sistema cardiovascular, notório por sinalizar o estado de nossas emoções, não distingue entre o perigo verdadeiro e o imaginado. E será colocado em alarme da mesma maneira diante de um perigo que ocorreu de verdade como diante de uma possibilidade imaginária ou de uma memória despertada através de qualquer ocorrência que possa ser associada a um evento antigo eu gerou esta necessidade de defesa..
O mecanismo é simples:
Basta uma recordação, movemo-nos para o passado, e nosso estado afetivo pode variar da alegria intensa a dor mais profunda. Da mesma maneira o tempo imaginativo interferirá no transpondo para o futuro e todas suas possibilidades emotivas que poderão ser boas ou más. Assim nos encontraremos novamente mergulhados no poço abissal das emoções tombando tanto na dor quanto a possíveis alvíssaras positivas.
Para a maioria de nós a existência parece se dar muito mais neste transpointting do tempo emocional.Será vivida assim num trânsito  pendular entre o ontem e o amanhã, em recordações  para alguns e em projeções para outros sem que a mente e o coração encontrem jamais pouso e descanso.
A nossa capacidade de rir, e de chorar deriva, portanto de nossa possibilidade de fazer conexões simbólicas que nos remeterão à temporalidades imaginativas que interferirão em nosso agora. A dor do possível traz a angústia para o presente e impede-nos de estar aqui simplesmente. Vivendo o momento sem expectativas ou pré-concepções.
Alguns preferirão infinitamente o ontem, principalmente se ele foi benéfico. E outros, estranhamente, por motivos inversos se aterão ao que passou deixando-se levar cotidianamente por fatos doloridos que o vento do tempo já levou. A cada recordação reviverão sofridamente no corpo e na alma os fatos que os marcaram profundamente. Ainda que isto seja um sofrimento inútil que não os irá levar a nada, se apegam e repetem, repetem, sem esboçar nenhum  movimento em direção a liberação desta energia emocional contida e preservada  Seria um vício?
Talvez sim, talvez esta maneira de desequilíbrio bioquímico tenha se tornado confortável.
E porque necessitamos manter estas emoções sempre a postos, prontas a pular sobre nós como salteadores de estrada da idade media nos roubando a paz? Seremos eternos reféns num círculo vicioso?

Em parte, é verdade, porque muitos conteúdos inconscientes dominam nossas vidas nos fazendo temer no agora a partir das sombras de fatos vividos há muito tempo atrás. E daí, uma vez que não desejamos acessar estas memórias por serem doloridas elas se mantêm ali, no mais oculto possível, e no dia a dia somente acessamos suas conseqüências que são nossa ansiedade, nosso medo e nossa raiva.
Sim, existem origens inconscientes que poderão ser acessadas acidentalmente, ou de maneira induzida como acontece quando estamos em terapia.
Mas existem em todas as instâncias, as escolhas conscientes. Vejamos o samurai da parábola. Ele provavelmente repetiu seu padrão de resposta emocional por toda sua vida. Era um guerreiro, é verdade. Mas será que o caminho do samurai precisa ser sempre sangrento? Foi necessário um evento especial para alertá-lo fazendo-o despertar e este evento derivou da necessidade de buscar redenção justamente por seu comportamento disruptivo. O samurai mata porque precisa matar. È sua função proteger o imperador e matar, isto é um atribuição sua, seu Bushido [4].Então não haveria o que temer não é verdade?
Mas este samurai começou a se perguntar onde ficava a porta do inferno, pois, talvez tenha faltado com a ética samurai e extrapolado seu poder muitas vezes.  Talvez tenha sido tomado, assaltado de ira cega. E assim em algum recanto distante de sua alma de samurai começou a temer as conseqüências. Ainda não totalmente consciente, mas quase.
Precisou estar frente a frente com o mestre para encarar sua raiva e descobrir que a transformação existe a partir da compreensão.  O entendimento o libertou.
Assim como para o nosso guerreiro enraivecido é necessário que possamos fazer esta deferência diante dos muitos mestres que a vida nos põe a frente. Porque, cada encontro com outro ser humano, cada situação cotidiana ou inusitada que vivenciamos, sempre será um momento de exercício de nosso livre arbítrio. Os impulsos irracionais, as variáveis que designam a partir do inconsciente irão sempre existir, no entanto, elas exoram que façamos o movimento em direção ao seu desvendamento. Esta busca pode se dar através de um processo psicoterapêutico mas, para quê ? Não unicamente para descobrir que lá estão e observá-las. A proposta terapêutica é de que este desvendamento se faça na direção do aprimoramento do sujeito que, agora ciente dos impulsos inconscientes que o impelem, deixe de ficar a sua mercê. Aí um novo cenário passa a se descortinar. Paraíso ou o Inferno podem vir ao nosso encontro a cada segundo, apenas nos restará a escolha.
        




[1] Cá entre nós, sem entrar no mérito de se os bichinhos são ou não capazes de sentir já que há controvérsias sérias a respeito.

[2]  Nave Enterprise, do seriado de TV Jornada nas Estrelas. da década de 1960
[3] A Bioeletricidade ou Bioeletromagnetismo (algumas vezes também chamado de biomagnetismo) refere-se à voltagem estática de células biológicas e às correntes elétricas que fluem em tecidos vivos, tal como nervos e músculos, em conseqüência de potenciais de ação.
A existência de potenciais elétricos através das membranas de todas as células do corpo é comprovada cientificamente, e algumas células como as do sistema nervoso (neurais) e as musculares são excitáveis, em outra palavras, são capazes de autogerar impulsos eletroquímicos em suas membranas.


[4] Bushido (bushi = guerreiro, do = caminho), o código de honra e ética do guerreiro samurai tradição japonês 

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