terça-feira, 12 de abril de 2011 | By: Cinthya Bretas

O que eu faço da vida?

  Muitas vezes ja ouvi este mesmo questionamento em meu consultório.
Cada um de nós, durante sua jornada nesta vida, pelo menos uma vez se fará estas perguntas: O que eu faço da vida? Para onde vou? Que destino eu tomo agora?
A pergunta vem em momentos em que, parece, nos encontramos em uma encruzilhada, várias opções se nos apontam.Ou nenhuma.Pelo menos aparentemente.Tudo perdeu o sentido .Nossas crenças são desacreditadas, nossas esperanças ficam desesperançadas. O único desejo é esperar que algum Deus ex Machina1 venha nos propiciar o gran–finale almejado. Isto quando sabemos o que desejamos. Muitas vezes nem isto. Muitas vezes sequer sabemos, enrodilhados numa total e absoluta falta de perspectiva. Perdeu-se a agulha da bússola, para onde aponta nosso desejo? Não é a dificuldade de alcançar nosso desejo que nos derruba é o desconhecimento do desejo. È a ignorância daquilo que nos move na vida.
Este momento pode nos acontecer por muitas razões: podemos estar saindo de um evento cuja intensidade emocional nos causou muito sofrimento ou trauma e nos abalou em nossas diretrizes de vida anteriormente aprendidas. Pode ser um evento desastroso, de falecimento, de separação. Pode ser a finalização de uma fase na vida em direção a uma nova fase como uma formatura, o casamento, o nascimento do primeiro filho, ou o casamento deste filho. Lutos sobre ritos de passagem. Pode por fim ser apenas um acúmulo de eventos não pranteados no momento oportuno, por “falta de tempo”, por exigências da vida. Estas lágrimas não derramadas, estas escolhas não feitas, este pouco caso com o desejo, vem cobrar seu óbolo2 .
De repente, sem nem entender como, tudo pára e não se consegue mais caminhar. Então acontece o vácuo, no qual existirá o encontro conosco mesmos. Unicamente nossa própria face diante do espelho e nenhuma resposta.
Algumas pessoas, com sorte, começam a perceber que se desconhecem. Começam a perceber que nem sempre suas escolhas foram feitas de maneira consciente. Foram vítimas das circunstâncias. Escolheram profissões muito mais por imposição familiar, por acomodação ou por uma opção unicamente voltada ao retorno financeiro. A realização profissional foi deixada de lado por inúmeras conveniências.
Da mesma maneira escolheram o par com quem supostamente deveriam passar o resto de suas vidas. De maneira inconsciente, sem se perguntar o que os impulsionava nesta escolha, mesmo que parecesse errada, mesmo que tudo mostrasse que não era a escolha certa para sua felicidade.
Neste momento crucial a vida nos parece injusta. Diante do vazio pesamos o passado e nos desconhecemos. Os que se deixaram levar tutoriados pelo desejo dos outros, sejam estes pais, namorados ou cônjuges, podem dar-se conta que sequer sabem dos seus próprios gostos.
E assim estagnados, tudo a nossa volta nos parece cobrar atitudes. Porém a atitude não vem. Estamos encapsulados numa inércia terrível. Depressão, dirão alguns. Mas talvez não, talvez apenas uma parada para balanço. A parada para balanço que deveria ter sido feita muito tempo antes e não foi feita por alguma impossibilidade real ou imaginaria do momento.
Porém, esta nossa sociedade de alto consumo e impermanências, desconhece o tempo de reflexão. É necessário continuar a qualquer preço. Não saber o que se quer ou pior mudar o rumo da vida não é permitido.É necessário tamponar-se este momento com algum bom recurso artificial que mobilize que cesse a reflexão e recoloque o sujeito na posição de conformidade em que vivia.Dai surgem os muitos psicofármacos de uso tão abusivamente difundido na modernidade.Para cada sofrimento uma nova pílula da felicidade é criada a cada ano.
Repensar-se e ter coragem para mudar, portanto será uma tarefa árdua.Porém uma tarefa que se bem cumprida valerá uma vida.Tente!


1Recurso do teatro grego no qual uma personagem divina surgia no último ato, de maneira inesperada, para resolver uma situação ou desemaranhar uma trama. No teatro grego havia muitas peças que terminavam com um “deus” sendo literalmente baixado por um guindaste até o local da encenação onde ali desfazia toda a trama, resolvia todas as questões e fechava a trama num final apoteótico
2Na tradição grega quando de sua morte o cidadão deveria levar sob a língua um óbolo (moeda inferior ao dracma) para pagar o barqueiro Caronte ao atravessar o Rio Aqueronte em direção à encruzilhada que levava aos quatro possíveis destinos dos mortos: A primeira, a mais vizinha da terra, era o Érebo No Érebo viam-se os palácios da Noite, do Sono e dos Sonhos; era a morada de Cérbero, das Fúrias e da Morte. Para além estava o Inferno dos maus; a terceira região compreendia o Tártaro o inferno dos deuses, e a quarta os Campos Elíseos para onde iriam as almas virtuosas.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom o artigo. Me encontro perdida neste exato momento, escolhi uma profissão que é relacionado a coisas que gosto, mas que não é a minha paixão e não me trará um bom retorno financeiro.

De fato, são decisões adiadas e falta de auto-conhecimento.

Muito obrigada pelo texto :)

Anônimo disse...

Passo pelo mesmo momento. O texto reflete o meu íntimo. O que nos agoniza é o desconhecimento de nosso próprio desejo, que está relacionado à nossa essência, o nosso eu. Parabéns pelo artigo!

Anônimo disse...

Sabe, sempre me dizem pra esquecer aquilo que me chateou, superar, seguir adiante... Mas adiante pra onde?
Quando eu sei que estou seguindo em frente? Quando eu vou chegar finalmente na frente? Eu só vou ir? Ir pra onde? Se eu não me interesso em estar em nenhum lugar? Nem no aqui, nem no agora, nem no quê. Não sei aonde eu quero chegar, e por isso não posso seguir? E se eu não quiser nada? E se eu quiser só acabar com o agora?

Cinthya Bretas disse...

As vezes é assim mesmo que nos sentimos sem rumo , sem objetivo. É disso que fala o texto . principalmente depois de eventos que nos devastam . porém uma coisa é certa, aquilo que nos causa dor precisa ser devidamente pranteado . Ignorar o sofrimento não ajuda em nada . Porém ficar apegado a tudo que nos esta fazendo sofrer demonstra que algo não está bem. Antes já não estava . Quando estamos dentro da bolha de sofrimento achamos que não existe nada além do mesmo. Mas existe . Acredite . Procure ajuda se achar que só não consegue.

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