domingo, 25 de maio de 2014 | By: Cinthya Bretas

Deixando os pais fora da relação



Quem casa quer casa. Longe da casa onde se casa.Em algumas situações de preferência bem, bem longe. 

Inicio de vida nova, oficializada ou não, requer coragem e paciência. Encarar as diferenças, aprender a conviver e principalmente fazer o seu primeiro estágio como uma unidade convivendo com outra unidade.
Alguns poderão ter tido a sorte de ter tido uma experiência de vivência longe  da família de origem antes de encontrar a pessoa com a qual decide dividir a sua vida. Outros terão a possibilidade até de um"test drive", um pré casamento de avaliação. Porém a maioria ainda seguirá a velha fórmula saindo direto da casa dos pais para a nova vida, sem chance de se descobrirem de maneira mais profunda.
Namorar e noivar é uma coisa.Convivência diária é muito diferente. Aí emergem os conflitos e, a maioria deles, trazemos de casa , de nossa família de origem. 
Porque, vivendo no ambiente da família estamos expostos a influências das quais não tomamos consciência. Ou tomamos, nos incomodamos até, mas ainda assim não conseguimos operar como uma unidade, nos diferenciando. Ainda somos a repetição das fórmulas de relacionamento com as quais convivemos e que desapercebidamente introjetaremos como nossas nas nossas próximas relações.
No filme História de nós dois (1999) existe uma cena antológica que resume bem o que estou tentando dizer. Nesta cena o casal, já em vias de se separar, tenta abrir diálogo pacífico, relembrando as tentativas de terapia de casal feitas e lembram o analista freudiano que os adverte que na cama do casal na verdade existem seis pessoas e não duas como poderiam supor. 
O casal zomba do analista, mas em seguida começa a discutir acirradamente e repentinamente surgem outros interlocutores, os casais de pais de cada um, que  na cama junto com o casal  ,começam a interferir na discussão. Cada um com suas idiossincrasias, que fizeram dos seus filhos o que são, fazendo-os dizer e agir de acordo com o que aprenderam. Trata-se de uma alegoria perfeita da situação que se estabelece quando ocorrem os conflitos.

E é assim que é, saímos de casa, com toda a herança emocional e cultural de nossas famílias para unirmos nossas vidas a alguém cujas heranças se assemelham ou divergem das nossas. Às vezes apenas em alguns aspectos, outras, no entanto de maneira abismal.
Havendo possibilidade, como já foi pontuado, os filhos podem ter tido a chance de se renovarem em suas respostas emocionais, se descobrirem além das verdades e leis afetivas e comportamentais da casa paterna. Outros com menos chance ou permissão interna, jamais conseguirão se distanciar, seguindo unicamente aquelas mesmas regras que podem ser destrutivas. Como seus pais. 
E estas regras interferirão profundamente nas suas vinculações afetivas pelo resto de suas vidas. 
É importante entender que esta influência sempre estará lá , somos frutos de nossa dupla parental e suas formas de amar. Aquilo que pode  causar um comprometimento que irá influenciar negativamente ou mesmo impedir que o sujeito estabeleça vínculos extra familiares  saudáveis é justamente o tipo de troca que se estabeleceu.
 Existem famílias ditas disfuncionais que carregam conflitos encobertos, camuflados em meio as interações. Aparentemente tudo parece perfeito, as vezes até perfeitinho demais.  No entanto estes conflitos sempre virão à tona quando as relações extra familiares começarem a se estabelecer.
Casos extremos são de famílias simbióticas e esquizoides.Nas denominadas simbióticas as relação que se estabelecem são de “devoramento”  onde membros da família são "absorvidos" por outros membros dominantes, impedindo-os de desenvolver plenamente suas próprias personalidades. O exemplo mais óbvio é a absorção do filho por seus pais ,  de modo que a personalidade do sujeito  é simplesmente um reflexo dos desejos dos pais. 
Já nas famílias esquizoides ocorre o oposto, as relações são frias e distantes ,não existe dialogo algum e manifestações  afetuosas são quase banidas. Todos coabitam e desenvolvem suas tarefas minimizando as trocas e convivência mútua como se sentisse que a aproximação fosse  ameaçadora. E é.
Em ambos os casos estaremos diante de um vinculação na qual  a  preponderância é a  ausência de diferenciação entre os membros. Em ambos os casos os sujeitos não tem direito a uma existência individual e terão grande dificuldade em desenvolver outros relacionamentos.

Algumas famílias sentindo esta possibilidade como ameaçadora à homeostase familiar, tentarão sabotar estas ”interferências” externas, já que são vistas como um risco pois podem fazer com que os sujeitos repensem seus comportamentos encontrando formas diferenciadas e particulares, apartadas das acordos afetivos de suas famílias de origem e fugindo do controle . Esta sabotagem pode ser invasiva e poderosa.
Outros  sujeitos nem precisarão desta intervenção . Sim, eles até conseguirão se relacionar relativamente bem, namorarão e até casarão, mas irão carregar as regras e a sombra desta família de maneira tão forte que será impossível desenvolver regras de adaptabilidade em sua nova relação ou família uma vez que somente as interlocuções antigas serão possíveis. O sujeito não consegue se reinventar como uma unidade. Na maioria das vezes este sujeito buscará um conjugue que por suas dificuldades emocionais e submissão irá se adaptar com mais facilidade se permitindo “fagocitar” pela família de origem.

Numa família funcional, a particularidade e a individualidade e as escolhas dos membros são reconhecidas e respeitadas. Já tanto nas famílias simbióticas quanto nas esquizoides isso não ocorre, ambas as vinculações são disfuncionais e destituídas de habilidades sociais competentes. As chances de fracasso nos relacionamentos externos à família serão notáveis.
Somos sempre fruto destas experiências e aprendizados intra familiares e todos repetiremos consciente ou inconscientemente as lições aprendidas em casa em palavras ou atos. 
A maior ou menor capacidade e coragem de se auto conhecer e de se adaptar , em suma de se reinventar na direção do encontro amoroso verdadeiro e funcional é que denunciará as dificuldades das famílias de origem.
Aí teremos que nos ver com estes diálogos ressentidos, como os do filme, onde jamais se chega a um acordo, onde apenas se repete um modo de agir que nos foi ensinado de maneira rígida e intolerante. Onde a única coisa que importa é uma demarcação de território onde a família mais forte é a que deverá imperar. 
E onde há intolerância o amor não entra. E onde não existe amor, onde está a relação?

0 comentários:

Postar um comentário

Diga o que pensa